Operado de uma simples hérnia, vi-me obrigado a uma razoável quarentena em casa. Com bastante tempo à minha disposição resolvi, por um dia, mergulhar no mundo televisivo. Liguei minha Sony e, com o controle remoto na mão, viajei, via cabo, às diversas opções oferecidas pela mídia eletrônica. À noite, senti-me vencido. O que assisti não era lazer, tampouco cultura. Era pura perda de tempo. Cada dia mais me espanto com a superficialidade de minha geração. Na televisão, os noticiários estão cada vez mais rasos; evitam os temas relevantes, fogem da discussão imparcial. A “ratinização” dos programas de auditório chega a agredir o bom senso. A dramaturgia das novelas é um acinte à arte teatral. Os diálogos são patéticos. Bons atores são logo substituídos por moças e rapazes bonitinhos. Não sabendo representar, mecanicamente repetem scripts. Os programas infantis em nada educam. Simplesmente enchem os cofres de suas apresentadoras, que nada têm na cabeça e que ensinam comportamentos éticos, no mínimo, questionáveis. Na música, as letras medíocres, para fazer sucesso, necessitam apelar para sentidos ambíguos. Os rebolados das dançarinas tentam compensar a rima pobre. Os grandes poetas e músicos se esforçam, mas parecem carecer da inspiração de tempos não muito antigos, quando escreviam e cantavam com maestria. Os filmes, fazendo apologia da violência, exploram o macabro e o terror. Não conseguem criar tramas inteligentes. Mostram-se, diante de nossas telas, produções com enredos repetitivos, direção mal feita; claramente produzidos para dar lucro. Filmes destituídos do ideal de fazer arte. As revistas que entulham as bancas e os livros que aparecem nas listas dos best-sellers são risíveis, sob o ponto de vista literário. Os estudiosos de nossos tempos dizem que uma das características da pós-modernidade é a falência da chamada “alta cultura” e a emergência da “cultura pop”. Por “alta cultura” devemos entender como o esforço humano de dar estrutura à vida. É a complexa produção > humana que inclui o saber, crenças, arte, moral, leis, costumes e todas as expressões humanas. A cultura pop fortaleceu-se com a massificação dos meios de comunicação. A indústria da informação e do lazer, que oferece um franco acesso ao conhecimento, vagarosamente nivelou a produção cultural por baixo. Hoje, poucos conhecem Shakespeare, nunca leram Dostoievski, mal saberiam mencionar algum livro de Machado de Assis ou de Graciliano Ramos. Rapazes e moças detestariam uma ópera de Wagner ou de Carlos Gomes. A grande maioria nunca leu Carlos Drummond e nem sabe dizer quem foi Fernando Pessoa. Em compensação, conhece bem os filmes de Van Damme e do Bruce Willis. Gosta de ler Paulo Coelho e canta as músicas do Tchan. Meninos e meninas ainda cantarolam as letras dos Mamonas Assassinas. Diariamente acompanham a novela das oito, dando-lhe índices de audiência acima de cinqüenta pontos. Adolescentes deliram com a mocinha vestida em roupas íntimas, insinuando cenas de sado-masoquismo. O ocidente termina o século XX impregnado de uma cultura pop, que Richard Hamilton, artista inglês, conseguiu descrever como: “dirigida às massas, compreensível sem exigir reflexão, facilmente substituível por outra emoção, produzida às pressas, sensual, glamorosa, aética e sempre visando o máximo de lucro”. A produção cultural do ocidente empobreceu. Daí a pertinência do lamento de T. S. Eliot: “Onde está a vida que perdemos vivendo? Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos com a informação? Os ciclos do céu em vinte séculos nos levaram para mais longe de Deus e mais próximos do pó.” Mais triste é constatar que a igreja também foi afetada por essa cultura de massas. Primeiro nos Estados Unidos, depois na Europa e agora na América Latina, há uma forte tendência de transformar a igreja em big business. Pior, big business do lazer espiritual. Pastores e padres abandonaram sua vocação de portadores de boas novas. Assumiram novos papéis: animadores de auditórios e levantadores de fundos. O púlpito transformou-se em mero palco. A igreja, simples plateia. O clero arremedou a fama dos artistas. Com estilos de vida extravagantes e caros inebriam as multidões que também almejam galgar a celebridade. Outros enxergaram-se como empresários, vestiram-se como empresários e, pasme, contrataram guarda-costas armados para se protegerem. Acham-se sequestráveis. Os cultos já não estão centrados na máxima de João Batista: “importa que Ele cresça e que eu diminua”. Sermões podem ser facilmente confundidos com palestras de neuro linguística. Cantores e “artistas” se atropelam, querendo renome e gordos cachês. O cristianismo ocidental não conseguiu salgar, perdeu o sabor e conformou-se em ser raso. Os vendilhões do templo voltaram e armaram suas tendas. Infelizmente, atraem-se grandes multidões não pela força argumentativa do evangelho, mas pelo bem concatenado marketing. Impressionam-se as plateias pela capacidade de aproximar a linguagem religiosa da cultura pop e não por propor conteúdos sólidos de vida. Até pouco tempo, as igrejas neopentecostais acreditavam que seu descomunal crescimento vinha de uma bênção especial de Deus sobre suas novas propostas de prosperidade. Hoje, a explosão pop do catolicismo já atrai multidões tão numerosas quanto as dessas bem sucedidas igrejas evangélicas. Prova-se assim que qualquer credo ou confissão religiosa que souber promover um culto com as mesmas características da cultura pop também experimentará um crescimento vertiginoso. Sempre que a igreja começou a percorrer uma senda perigosa e a aproximar-se dos sistemas doentes que deveria denunciar, houve fortes movimentos contrários. Quando Roma parecia estar à venda e o clero católico se emaranhou com o poder dos reis, as ordens monásticas apareceram. Quando Tetzel vendeu indulgências, prometendo menos sofrimento no purgatório em troca de algumas moedas, Lutero protestou. Quando a igreja protestante se institucionalizou e perdeu relevância, surgiram os anabatistas propondo a separação radical da igreja e do estado. Quando a rigidez teológica tentava sufocar a ação de Deus, os pentecostais levantaram-se mostrando que ele age como quer e não respeita as sistematizações humanas. Precisamos de novos movimentos de reforma e protesto dentro do cristianismo ocidental. Os desafios de hoje requerem que os pastores voltem a “apascentar o rebanho de Deus, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto” (I Pe 5.2). Que as igrejas sejam espaços de fraternidade onde nos revestimos como “eleitos de Deus, santos, e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl 3.12). Diante do estrelismo, os pastores precisam optar pela discrição; reaprender a ser singelos de coração. Devem lembrar-se de uma citação antiga: “A glória é como um círculo n’água que nunca deixa de aumentar, até que por força de seu próprio crescimento dispersa-se em nada”. O crescimento numérico das igrejas engana. Tem mais a ver com fenômenos sociais que uma legítima ação do Espírito Santo. Líderes religiosos devem evitar essa corrida insana de notoriedade. A riqueza e popularidade de alguns nada significa nas realidades espirituais. Euclides da Cunha advertia em Os Sertões: “Se um grande homem pode impor-se a um grande povo pela influência deslumbradora do gênio, os degenerados perigosos fascinam com igual vigor as multidões tacanhas”. Deixemos que o apóstolo Paulo fale novamente aos nossos corações: “Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E na verdade, tenho também por perda todas as coisas pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo” (Fp 3.7-8). A igreja será sal e luz, somente quando caminhar na rota inversa das tendências de sua geração e mostrar-se simples em suas ambições. Caso contrário, continuará dizendo a si mesma: Estou rica e abastada e não preciso de coisa alguma”. Mas ouvirá de Cristo: “Não sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre cega e nua.” Que Deus nos ajude a comprar ouro refinado pelo fogo para nos enriquecer, vestiduras brancas para nos vestir, a fim de não ser manifesta a vergonha da nossa nudez. Compremos colírio para ungir os nossos olhos e vejamos (Ap. 3.17-18).
Autor: Ricardo Gondim Rodrigues
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