Clamor de um novo convertido

Ricardo Gondim

Meu nome é Iuri. Curso pós-graduação em ciências sociais e defenderei minha tese dentro de seis meses. Há um ano, experimentei uma autêntica revolução interior: converti-me ao cristianismo em uma igreja evangélica. Falo de revolução porque, à semelhança dos processos revolucionários, minha experiência de conversão deu-se com violência.
Depois de convertido, visitei várias igrejas evangélicas. Familiarizei-me com as sutis diferenças de uma e outra denominação. Hoje, já batizado e membro de uma comunidade local, desejo expor como era minha percepção dos evangélicos antes de me converter. Quero também externar minhas reações, como novo convertido, ao que aprendi sobre o mundo evangélico em minha peregrinação buscando uma igreja.
Cresci em um lar católico nominal. Não me lembro de que, durante toda a minha infância, meu pai tenha freqüentado uma missa sequer uma vez.
Minha mãe ainda nos falou de seu passado em um colégio de freiras. Mas, obviamente, sua abordagem foi negativa. Cresci distante do mundo religioso. No segundo grau, sempre ouvi dos professores de história que a igreja, notoriamente a cristandade ocidental, fora responsável por séculos de obscurantismo, perseguições étnicas e guerras religiosas estúpidas. Quando ingressei na faculdade, creio ter entrado numa igreja apenas duas vezes: em um casamento e na missa de sétimo dia de um amigo.
No casamento, nada entendi do que o sacerdote falou. No ofício fúnebre, ainda sob o impacto da morte de meu companheiro, nada ouvi e nada guardei de tudo o que aconteceu. Nunca havia entrado em uma igreja evangélica. Conhecia os evangélicos apenas pelas capas da revista Veja e pelos vários escândalos envolvendo líderes de igrejas nacionalmente reconhecidas.
No terceiro ano de faculdade, conheci um evangélico. Roberto estava participando de um debate sobre cidadania e compromisso ético.
Confesso que, cheio de preconceitos, achei que quando tomou a palavra falaria muita asneira e que, valendo-se de um discurso reacionário e antiquado, seria ridículo. Porém seus argumentos foram simples, organizados e coerentes. Citou suas fontes e falou com autoridade. Algo me atraiu no discurso daquele jovem. Então procurei-o para conversarmos. Acabamos nos tornando amigos.
Certa vez, Roberto convidou-me a participar de um grupo da Aliança Bíblica Universitária.
Discutimos muito sobre a validade da fé e sobre o adoecimento do cristianismo nos corredores das instituições religiosas. Expus abertamente minha indiferença ao clero que se locupleta com as esmolas das elites. Perguntei se a igreja não se envergonha do que fez ao índio latino-americano.
Insisti em querer saber onde estavam os discípulos de Cristo quando os judeus eram queimados na inquisição espanhola.
Meu amigo e outros jovens da ABU engajaram-se numa peleja, buscando responder minhas várias inquietações. Numa tarde de sábado, alguém me perguntou se eu já lera a Bíblia. Envergonhado, respondi que não. Eu discutia e falava de um assunto sem estar familiarizado com seus pressupostos básicos. Pedi que me dessem uma Bíblia, mas que fosse um exemplar sem comentários de outros, pois eu mesmo queria tirar minhas conclusões do texto. Comecei em Mateus e, quando terminei o capítulo sete, com o final do Sermão do Monte, meus argumentos e minha zanga já havia caído por terra. Ainda em conflito, numa guerra dentro de minha alma, rendi-me ao Espírito de Cristo. Tornei-me um cristão resoluto, apesar de toda a minha inquietação.
Depois que tornei pública minha decisão de ser um seguidor de Cristo, pedi ao Roberto que me levasse a conhecer o universo evangélico. Ainda bem que minha conversão dera-se no secreto do meu quarto, pois o que vi nas várias igrejas que visitei me assustou.
A primeira igreja que visitei era bem tradicional. Percebi que sua maneira de cultuar a Deus fora importada de sua matriz no estrangeiro. O coral cantava as mesmas músicas lá de fora, o pastor falava com o mesmo tom de voz que se usa além-mar e até a ordem do culto obedecia a uma lógica estrangeira. Perguntei-me a mim mesmo por que os pastores insistiam em ser meras réplicas de um modelo de fora. A beleza do cristianismo não está em sua catolicidade? O jeito de cultuar a Deus não deve ser o nosso jeito? As músicas que esses estrangeiros trouxeram eram antigas canções das tavernas e bares da Europa e dos Estados Unidos. Por que as expressões culturais do nosso povo eram menosprezadas? O que mais me inquietava nesse tradicionalismo litúrgico era a incoerência de seus líderes se dizerem filhos do iluminismo, se gabarem de sua tolerância, bradarem uma ecumenicidade radical e, na prática, serem bitolados e restritivos.
Em minha busca por uma igreja, visitei várias denominações pentecostais. A princípio, me encantei com o fervor dos seus membros. Pareciam-me entusiasmados pelo Senhor que serviam. Havia uma santa anarquia na liturgia. Mas qual não foi minha decepção numa reunião que chamaram de culto de doutrina. Esperava a reflexão e o aprofundamento sobre um tema da Bíblia, mas tudo o que ouvi foram proibições. O patrulhamento mental que se procurava exercer sobre as pessoas assustou-me, ou melhor, escandalizou-me. Jamais imaginara que havia tanta mesquinhez no cristianismo. Ainda não consigo imaginar que o Deus criador e sustentador do universo esteja fiscalizando o tamanho do cabelo das mulheres ou se indignando com os meninos por jogarem futebol.
O fervor do mundo pentecostal levou-me a procurar igrejas que mantivessem o mesmo perfil carismático, mas em melhor sintonia com os tempos que vivemos. Visitei o mundo neo-pentecostal. A igreja que freqüentei era nova, os pastores vestiam-se com ternos bem talhados e o culto era ágil. Mais uma vez, me decepcionei muito. Não fosse o cuidado de meu pequeno grupo da ABU, talvez eu não teria permanecido na fé. Mal acreditei quando um pregador falou no púlpito que o verdadeiro cristão sabe colocar Deus na parede e reivindicar os seus direitos. Espantei-me com a paranóia que o mundo espiritual gera nas pessoas. Quantas vezes ouvi sermões desconectados do texto bíblico, repletos de chavões e vazios de conteúdos. Vi muita gente lotar os templos neo-pentecostais, porém em profunda crise de identidade. Acredito que esses grupos prejudicam muito o testemunho cristão na sociedade.
Hoje pertenço a uma igreja bastante missionária e profética em sua caminhada, que acredita na contemporaneidade dos dons espirituais.
Procuramos ser autênticos em nossas expressões de espiritualidade. Meu pastor não é um líder carismático que se distanciou da comunidade, mas um amigo e parceiro de sonhos. Acreditamos que a reflexão bíblica deve ser um exercício tanto da mente como do espírito.
Estas minhas palavras visam ajudar os pastores. Desejo expressar como pensa um jovem universitário hoje. Sem querer assumir uma posição presunçosa, deixo alguns conselhos aos líderes cristãos.

1. As pessoas não se interessarão pela mensagem do evangelho apenas pela publicidade que se faz na mídia. Quanto mais dinheiro se gasta na mídia, mais as pessoas acham que o mundo evangélico é uma armadilha de aproveitadores, que se valem da boa índole do povo. As igrejas devem concentrar esforços em gerar homens e mulheres com um testemunho de vida contagiante. Somente o seu entusiasmo e sua vida abundante despertarão outros a conhecer mais de Deus.

2. Quanto mais parecido for o pastor de um empresário, menos as pessoas se interessarão em ouvi-lo. Quanto mais humano e íntegro, maior será sua credibilidade. As pessoas buscam lideranças espirituais, e não gerenciais. Por favor, pastores, não se esqueçam do conselho de Pedro: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho” (1 Pe 5.2-3).

3. As igrejas precisam ser espaços comunitários.
Elas não existem para perpetuar a instituição nem para ser balcão de serviços religiosos. Não podem estar a serviço dos desejos megalomaníacos de seus líderes. Igreja é lugar de afeto – lugar onde o amor de Deus se adensa nas pessoas e se multiplica no próximo. O culto tem de se expressar com liberdade, racionalidade, fervor e, acima de tudo, companheirismo. O cristianismo é pessoal, mas só se concretiza em comunidades.
Por isso Jesus afirmou que edificaria uma eklesia, ou seja, uma assembléia, uma família, um organismo vivo.
Acredito que há outros jovens que se curvariam diante de Jesus Cristo, como eu me curvei. Só não o fazem porque há muito preconceito e muita resistência ao evangelho. Quando reconhecemos nossa parcela de culpa em afastar as pessoas de Cristo, já é um bom começo. Aquele que leva uma vida à conversão é sábio.
Portanto, peçamos sabedoria para o povo de Deus.
Eu estou disposto a fazer a minha parte para que sejamos sal e luz.

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda, em São Paulo. É autor de, entre outros, Orgulho de Ser Evangélico – por que continuar na igreja, da Editora Ultimato.