O PASTOR E A SUA NECESSIDADE DE ARREPENDIMENTO

O autor inicia este capítulo exortando os pastores a se humilharem diante de Deus, com a finalidade de alcançar o verdadeiro objetivo do pastoreio que é nutrir espiritualmente todos os que foram entregues a seus cuidados pelo Senhor. Diz que é muito comum os pastores esperarem que o povo se arrependa, quando na verdade eles próprios são carentes de arrependimento. O rebanho muitas vezes é pressionado com os ensinos, convicções e ênfases para arrancar deles algumas lágrimas de arrependimento, contudo seus olhos continuam secos e seus corações sem quebrantamento algum.
Devemos nos submeter ao Senhor para arrependimento de nossos próprios pecados, antes que esperemos que as nossas ovelhas estejam sempre prontas a confessar e pedir perdão. Na Bíblia existem diversos exemplos de personagens que confessaram verdadeiramente os seus pecados, bem como os pecados do povo, principalmente no Antigo Testamento. Como exemplo temos Esdras chorando e se prostrando diante do Senhor, confessando os pecados do sacerdote e do povo (Esdras 9:6-7); 10:1). Igualmente os levitas (Neemias 9:32-34). Do mesmo modo Daniel confessa seus pecados e os pecados do povo (Daniel 9:20), etc. É preciso então descerrar os nossos pecados diante de Deus, humildemente, dando a Ele toda a honra e toda glória que lhe é devida para que possamos alcançar a misericórdia de seu perdão.
O Novo Testamento tem nos legado exemplos de homens que apesar de terem compartilhado com Jesus de seu ministério e de seus ensinos, demonstraram fraquezas, incredulidade e falta de visão espiritual e inconsistências. Pedro chegou a ser chamado de “Satanás” por seu infeliz pensamento, contrário a missão de Jesus como Redentor da humanidade. Pedro também jurou que não negaria a Jesus e o negou por três vezes, para depois chorar amargamente. Judas preocupado com o desperdício do vaso de alabastro que foi usado para lavar os pés de Jesus, mais tarde se venderia para traí-lo. Tomé não acreditou quando lhe falaram da ressurreição de Jesus, embora o Senhor já tivesse falado de sua ressurreição, mais tarde foi envergonhado quando Jesus o chamou para contemplá-lo. Da mesma forma os discípulos incrédulos no caminho de Emaús. E após estarem com Jesus após a sua ressurreição não se propuseram a dar continuidade a sua obra, mas voltaram à suas atividades de pescadores, até que Jesus novamente lhes apareceu e os mandou ir por todo o mundo.
Paulo contendeu publicamente com Barnabé por causa de Marcos, até vir descobrir mais tarde que Marcos lhe era útil. Pedro achava também que a salvação era tão somente para os judeus, até que teve uma visão antes de ir visitar Cornélio em que o Senhor abriu os seus olhos espirituais para entender que o evangelho era para todos os povos.
A verdade segundo o autor é que desde o tempo de Cristo, passando pela igreja primitiva, durante a história do cristianismo, e até os nossos dias, a igreja tem enfrentado problemas de pecado e de escândalos de muitos de seus ministros.
Temos exemplos também de que no decurso da história da igreja houve momentos em que ministros fiéis preferiram buscar novas terras onde pudessem viver uma vida de santidade, de moralidade e de temor a Deus. Este foi o que motivou o êxodo de milhares de cristãos da Inglaterra para o Novo Mundo. A inversão de valores no seio da igreja era tal que os retos eram escarnecidos e reprovados como puritanos, porque não compartilhava do pecado da maioria.
É preciso, pois, que nos humilhemos, para que sejam sanadas as divisões, facções e diferenças de convicção entre os verdadeiros pastores da igreja de Cristo.
O autor menciona que os pecados principais da igreja são o orgulho, a desunião, a falta de consagração à causa de Deus e a falta de disciplina na Igreja.
O orgulho é o mais odioso porque modela o pensar, determina os nossos desejos, fomenta a inveja e pensamentos amargos contra os que são mais proeminentes do que nós, que recebem posição de celebridade. Ele é astuto, sutil, tirânico e insidioso.
Deus quer que sejamos simples o quanto pudermos em nossa linguagem, para informarmos os ignorantes, e que sejamos sérios e convincentes o quanto pudermos, para que os não convertidos cedam e sejam transformados.
O pecado da inveja por sua vez tem feito com que muitos ministros anelem tanto a popularidade que chegam a desejar as funções e reputação de colegas que são preferidos a eles. Desse modo vão pelo mundo exibindo a sua reputação, espezinhando e desmoralizando a dos seus rivais que se levantam em seus caminho impedindo que recebam as honras ambicionadas. É vergonhoso saber que aqueles que deveriam ser santos e viver como pregadores de Cristo, pervertendo os dons de Deus a quem é devida toda a glória, fazendo todas estas coisas porque os outros parecem impedir a glória deles.
O pecado da censura tem levado muitos ministros a engrandecerem tanto as suas opiniões pessoais, que censuram toda e qualquer pensamento que sejam diferentes dos seus, esperando que todos se amoldem aos seus pensamentos e as suas idéias. Assim, enquanto condenam a infabilidade papal, temos muitos papas entre nós. Gostamos das pessoas que ratificam as nossas opiniões e que promove a nossa reputação. E, a achamos ingrata quando ela nos contradiz, divergindo de nós, falando com franqueza sobre os nossos erros apontando as nossas falhas.
Apesar de todas estas coisas, é pela infinita graça de Deus que temos, em muitos lugares, alguns que são humildes, modestos e exemplares para os seus rebanhos e para os seus colegas. A Deus se deve toda a honra por estes que se portam assim. A necessidade de humilharmo-nos se constitui no âmago do evangelho. A obra da graça só é iniciada e sustentada pelo exercício da humildade. A humildade não é apenas um ornamento do cristão. É parte essencial da nova criatura. É contradição ser um homem santificado e não ser humilde. Portanto, sejam vigilantes e, em todos os seus estudos, tratem de estudar a humildade. “E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mat 23:12).
Outro problema sério no seio da igreja é o menosprezo pela unidade e paz da igreja. É pecado grave fazer parte da religião como facção limitando o amor e respeito a uma denominação, em vez de estendê-lo à Igreja universal.
É raro encontrar um homem que sofra e sangre pelas feridas da Igreja universal, e que as leve para o seu coração, tomando-as como suas próprias feridas e dores. Na maior parte, as questões que nos mantêm divididos são relacionadas com o nosso governo eclesiástico: sua correta forma e ordem. Se os homens tivessem corações realmente sensíveis quanto à situação da igreja, e procurassem amar-se uns aos outros com sinceridade e buscassem zelosamente a unidade, a produção da paz seria tarefa fácil.
A falta de compromisso com a obra de Deus por sua vez, tem levado muitos ministros a serem negligentes com os estudos. Poucos se preocupam em serem bem informados e bem preparados para a realização progressista da obra. Muitos ministros só estudam o bastante para o preparo dos seus sermões e pouca coisa mais. Todavia, existem muitos livros que podem ser lidos e muitos assuntos com os quais podemos familiarizar-nos. A experiência nos diz que não podemos ser cultos ou sábios sem estudo árduo, sem trabalho incansável e sem exercício constante. É uma tragédia ouvir um ministro desenvolver doutrinas e, contudo deixá-las perecer nas mãos do seu povo por falta de uma aplicação viva e relevante.
É necessário falar das coisas de Deus com toda a força e eloquência. É desprezível falar de grandes temas sem o afeto e o calor apropriado. “Tudo que estiver em nossas mãos para fazermos, faça-mo-lo com todas as nossas forças”. Devemos ter compaixão dos pobres e desprovidas congregações que nos rodeiam, porque são famintos e sedentos de alimento para os seus corpos espirituais.
A falta de disciplina eclesiástica tem revelado que não somos totalmente dedicados ao nosso trabalho como deveríamos ser. Não temos exercido a disciplina na igreja, porque quando chega a hora de aplicá-la e praticá-la, a maioria de nós não faz nada à respeito. Muitos ministros nem sequer conhecem os membros das suas próprias igrejas. Muitos ingressam no ministério vendo nele uma vida fácil, de honra e respeito perante os homens, e de obter o que esperavam, de qualquer maneira. Eles não previam ódio e sofrimento, e assim evitam estas coisas, mesmo que isto signifique evitar a própria realização da obra. A exclusão da comunhão é um recurso de Deus. É o Seu derradeiro recurso, quando as reprovações não surtem o efeito desejado. Portanto, é errado negligenciar o último recurso.
A extensão de nossa caridade não deve estar limitada aos nossos talentos, mas devemos ir além. Não devemos dar o que não possuímos e não devemos fazer objeção ao suprimento das necessidades das nossas esposas e dos nossos filhos, deixando-os na condição de mendigos. Poucos textos das Escrituras tem sofrido mais abusos do que este: “ …se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel” (I Timóteo 5:8). Devemos educar os nossos filhos para que sejam capazes de ser mais úteis a Deus. Na verdade não devemos fazê-los ricos, nem devemos nos abster das obras de caridade, apenas para deixarmos maior herança para a nossa família. Devemos guardar proporção entre a provisão para as nossas família, para a igreja e para os pobres. Um coração verdadeiramente caridoso e abnegado, que se tenha consagrado a si mesmo e tudo que possui a Deus, é o melhor juiz das proporções a serem estabelecidas. Uma pessoa assim é capaz de ver qual divisão do dinheiro tem a possibilidade de prestar maior serviço a Deus.
Há uma abundância de boas obras diante de nós, e quão poucas delas nos empenharmos em praticar. Sabemos que o mundo espera de nós mais do que nós mesmos esperamos. Mas, se não podemos corresponder às expectativas dos tolos, então, façamos o que pudermos para corresponder às expectativas de Deus, de nossas consciências e de todos os justos. Logo, é da vontade de Deus que, com a prática do bem, silenciemos a ignorância dos insensatos.

Augusto Bello de Souza Filho
Bel em Teologia