REPERCUSSÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL NA VIDA DAS IGREJAS

Manoel Soares Cutrim Filho

Após uma tramitação de mais de vinte anos no Congresso Nacional, o Novo Código Civil nasceu, de verdade, pela Lei 10.406, de 11 de janeiro deste ano, trazendo várias inovações nos relacionamentos entre os cidadãos e sobre entidades do nosso país.
No Código anterior, as igrejas eram consideradas sociedades religiosas (art. 16, I); no atual, está enquadrada como associação (união de pessoas que se organizam sem fins lucrativos), artigo 53 e seguintes.
As igrejas têm o prazo de um ano para se adequar às exigências do Novo Código Civil, prazo esse que se expirará em 11 de janeiro de 2004 (art. 2.031), sob pena de aplicação de multas pelo Poder Público.
Passaremos, a seguir, a examinar algumas dessas inovações, que se refletirão nos estatutos das igrejas.
Uma das principais mudanças trazidas pela lei em apreço diz respeito à exclusão de membros, os quais têm o direito de recorrer à Assembléia Geral da Igreja (art. 57). Com isso, quis o Poder Legislativo dar ao excluído o direito de apelar a uma segunda instância, dentro da igreja.
O artigo 58 deixa claro que nenhum associado pode ser impedido de exercer o seu direito ou função, se conseguido de forma legítima, a não ser nos casos previstos em lei ou no estatuto, daí a necessidade de a liderança da igreja local ser mais cautelosa no cerceamento de um membro enquanto no exercício pleno na igreja.
No que toca às deliberações da Assembléia Geral da igreja, passa a ser exigido um “quorum qualificado” para deliberar especificamente sobre assuntos relativos à destituição de administradores e alteração de estatuto (art. 59, parágrafo único), sendo necessária a presença da maioria absoluta dos associados e o voto favorável de 2/3 deles para que sejam aprovadas quaisquer mudanças, em primeira convocação; em convocações seguintes, será obrigatória a presença de pelo menos 1/3 dos associados presentes na assembléia, observada a mesma exigência de 2/3 de votos favoráveis.
Creio que o artigo 60 do Novo Código trouxe um considerável avanço no equilíbrio do relacionamento entre lideranças de igrejas locais e as respectivas assembleias. Neste dispositivo, está previsto que 1/5, ou seja, 20% dos membros da Igreja têm poderes para convocar uma assembléia, mas a deliberação continua exigindo a presença da maioria absoluta dos membros da igreja, em primeira convocação, e um terço em segunda convocação (art. 59, parágrafo único).
Alguns líderes têm reclamado que o “quorum” para a convocação de uma assembléia pelos membros da igreja deveria ser mais elevado, a maioria absoluta dos membros, por exemplo. Creio que o Poder Legislativo foi sábio, pois propicia um equilíbrio de forças, visto que seria, na maioria das vezes, muito trabalhoso conseguir um abaixo-assinado contendo assinaturas da maioria dos membros da igreja para a convocação de uma assembléia. Imagine se um presidente, sem uma razão plausível, deixa de convocar uma assembléia para tratar de determinado assunto, sendo que há desejo por parte de alguns membros que esta aconteça? Aí está estabelecido um impasse. Se a maioria dos membros for contrária à assembléia, que eles se manifestem na assembléia!
Há um certo temor de que o Novo Código proíba a igreja de fazer distinção entre os casados e os que vivem em união estável, prevista no artigo 1.723. Mais que isso, que reconheça como membros pessoas que vivem maritalmente, tornando desnecessário, desse modo, o casamento civil ou religioso, o que quebraria um princípio básico estabelecido pelas igrejas ao longo de toda a sua história. Convém lembrar que o reconhecimento de união estável não é algo novo, antes, está previsto na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, § 3º, e nem por isso, ao longo desses quinze anos, a igreja foi obrigada a ter em seu rol de membros pessoas que vivem em concubinato. Além disso, o Novo Código frustrou a expectativa dos mais liberais ao fazer distinção entre casamento e união estável, segundo o entendimento da maioria dos doutrinadores em Direito de Família. O artigo 1.511 diz: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Já no caso da união estável, além de encontrar-se disciplinada em outro Título do Livro, que trata dos Direitos de Família (arts. 1.723/1726), não lhe é dada a tônica de comunhão plena de vida, recaindo a ênfase no aspecto patrimonial, ou seja, quanto ao patrimônio formado pelos companheiros durante a vida em comum. Creio que, nesse caso, entra a sabedoria da liderança da igreja local, que deve estimular que os companheiros se tornem cônjuges, conforme o próprio Código prevê em seu art. 1726.
A maioridade, que pelo Novo Código passou dos 21 para os 18 anos, é um assunto se reflete no aspecto da participação da membresia nas assembleias das igrejas, visto que várias delas batizam crianças (até com menos de 12 anos). Surge, então, a pergunta: Têm todos, independentemente de idade, o direito de votar e serem votadas? Entendemos que essa questão é de fácil solução, pois é fazer constar no estatuto da igreja que são membros da assembléia só os civilmente capazes, logo, só eles poderão votar e serem votados em assembléia. A igreja local é composta de duas entidades: uma jurídica e a outra eclesiástica. A jurídica tem obrigações com o Estado, com as pessoas físicas e com outras pessoas jurídicas. Em geral, essas obrigações consistem em: pagamento de impostos, taxas, compra e venda de bens, contratação de funcionários e serviços, etc., assuntos sobre os quais uma criança ainda não tem plena compreensão. Já no caso da comunidade eclesiástica, as crianças que foram batizadas têm os mesmos direitos e obrigações que as pessoas adultas, a saber: participar da ceia, das atividades da igreja, bem como dos departamentos internos da igreja, votando e sendo votado, apoiando os trabalhos, dando as suas contribuições, etc.
É de bom alvitre que conste do estatuto da igreja, com base no artigo 56 do atual Código, que a qualidade de associado é intransmissível e que, com a saída ou a transferência de associado, as contribuições que este prestou à associação não serão devolvidas (art. 61, § 1º).
Lembramos, também, que expor alguém ao ridículo pode ensejar ações com vistas a indenização por danos morais, o que já está previsto na Constituição Federal desde 1988, art. 5º, V e XXXV, daí a necessidade de cautela e discrição ao disciplinar um membro infrator. O procedimento disciplinar deve ocorrer sob a direção de uma comissão, jamais em uma Assembléia Geral da igreja.
Lembramos também que é aconselhável constar das atribuições de determinado membro da diretoria (presidente, secretário ou tesoureiro) a necessidade de apresentar, dentro do prazo, a declaração de Imposto de renda, pois a igreja tem imunidade no pagamento do imposto, mas não está isenta de apresentar sua declaração, sujeitando-se à sanção de multa pelo Fisco.
Procuramos, com esses breves comentários, apresentar os tópicos do Novo Código Civil que têm suscitado mais dúvidas ou que são mais polêmicos entre a liderança evangélica. Esses pontos são resultantes das transformações pelas quais a sociedade brasileira vem passando, mormente dos anos sessenta até aqui. Urge que as lideranças das igrejas locais atuem com sabedoria no Senhor e lancem mão de profissionais da área jurídica e contábil, a fim de que sejam evitados percalços futuros com o Poder Público.

Manoel Soares Cutrim Filho, Igreja de Cristo de Brasília
Advogado e ex-Analista de Finanças do TCU
E-mail: cutrim@terra.com.br