A Vida de Bartolomeu de Las Casas

No final do século XV, a Igreja Católica Romana iniciou um novo período de missões estrangeiras. O Novo Mundo foi visto como um campo propício para a expansão dos cristianismo. Os papas e líderes políticos estavam ansiosos para estender o domínio católico a estas terras. A rainha Isabel considerava a evangelização dos índios como a justificativa mais importante para a expansão colonial, pelo que insistia em que sacerdotes e frades estivessem entre os primeiros a estabelecer-se no Novo Mundo. Os franciscanos e os dominicanos e mais tarde os jesuítas aceitaram o desafio. Dentro de algumas décadas o catolicismo tornou-se uma força permanente e de influência. O cristianismo se firmou com extrema rapidez.
O maior obstáculo as missões no Novo Mundo eram criadas pelos próprios colonizadores, com seu tratamento cruel e desumano para com os nativos. Mesmo após o decreto da rainha Isabel em que consistia em resguardar a liberdade e a integridade dos índios, estes continuavam a sofrer todo o tipo de desumanidade por parte dos colonos, que se utilizavam de meios para oprimir e escravizar. Os missionários observaram este tipo de tratamento e muitos passaram a desafiar a ira dos colonizadores, no intuito de amenizar as dores dos índios. Dentre estes missionários o que mais se destacou foi Bartolomeu de Las Casas, que embora tenha demorado a reconhecer e admitir este problema, tornou-se o maior defensor dos índios durante o período colonial espanhol.
Las Casas nasceu na Espanha em 1474, e era filho de um mercador que viajara com Colombo em sua segunda viagem. Depois de licenciar-se em Leis na Universidade de Salamanca, viajou para a ilha de Espanhola para servir como Conselheiro legal do Governador. Adaptou-se rapidamente ao estilo de vida influente dos colonizadores, aceitando o ponto de vista convencional quanto à população indígena, tendo participado inclusive de ataques contra as tribos e escravizado-os em suas plantações.
Provavelmente em torno de 1510, Las Casas sofreu uma transformação espiritual tal, que pediu para ser ordenado, tornando-se então no primeiro sacerdote a ser ordenado na América. Se interiormente ele havia mudado muito, exteriormente mudou muito pouco até então, porque aceitava com facilidade o estilo de vida que caracterizava a maioria do clero. Aos poucos foi entendendo que o tratamento dado aos índios não correspondia aos preceitos cristãos e em 1514 por ocasião do Pentecostes, teve finalmente uma verdadeira conversão com relação ao tratamento que afligia os indígenas, porque deduziu que a fé cristã era radicalmente incompatível com o modo desumano pelo qual os espanhóis tratavam os índios. A partir desta concepção juntou-se aos dominicanos, onde encontrou apoio para o seu ponto de vista.
Embora Las Casas seja considerado o pai da Teologia da Libertação, o primeiro clamor pela justiça no Novo Mundo foi levantado em 1511, pelo frade dominicano Antonio de Montesinos na Ilha Espanhola. Este clamor causou muita polêmica, motivo pelo qual mais tarde Las Casas tomou partido em sua defesa. Segundo Las Casas, Montesinos clamava: “A fim de tornar vossos pecados contra os índios conhecidos a vós mesmos, subi a este púlpito, eu que sou uma voz de Cristo clamando no ermo desta ilha, e, portanto, cumpre-vos escutar, e de todos os vossos sentidos, afim de que ouvísseis; porque esta será a voz mais estranha que já ouvistes; a mais severa e dura e mais terrível e mais perigosa que já esperáveis ouvir…Esta voz diz que estais em pecado mortal, que viveis e morreis nele por causa da crueldade e tirania que exerceis nos vossos tratos com estas pessoas inocentes. Dizei-me: com que direito ou justiça mantendes estes índios em servidão tão cruel e horrível? Com que autoridade travastes uma guerra detestável contra estas pessoas, que habitam com quietude e paz na sua própria terra?… Porque os mantendes tão oprimidos e cansados, sem lhes dar o bastante para comer, nem cuidar deles nas suas enfermidades? Porque com o trabalho excessivo que exigis deles, adoecem e morrem, ou, na realidade, vós os matais com vosso desejo de extrair e adquirir ouro todos os dias. E quais cuidados tomais a fim de que sejam instruídos na religião?… Não estais obrigados a amá-los como amais a vós mesmos?… Tende certeza de que, neste estado, não podeis ser salvos mais do que os mouros ou os turcos”. (Hanke, 1965, p.17).
Este sermão provocou uma disputa que durou até o fim do século XVI. Las Casas que se tornara uma das principais figuras da época, clamava: “O alvo que Cristo e o Papa buscam, e devem buscar nas Índias – e que os reis cristãos de Castela também devem esforçar-se por atingir – é que os nativos daquelas regiões devem ouvir pregada a fé a fim de que sejam salvos. E os meios para cumprir esta finalidade não são roubá-los, escandalizá-los, prendê-los, ou destruí-los, nem devastar as suas terras, porque isto levaria a ter abominação por nossa fé”. (Ibid, p.7). Durante toda a vida Las Casas usou métodos persuasivos como sendo uma exigência da fé. Pregou contra o sistema da encomenda e relacionou a salvação e a justiça.
Em 1515, Las Casas retornou à Espanha em companhia de Montesinos, onde conseguiu apoio do Cardeal Cisneros que o enviou de regresso as Índias com uma comissão para investigar o tratamento dispensado aos índios, contudo a má opinião de parte dos membros contrárias aos indígenas e suas atitudes protetoras para com os encomendadores, levaram Las Casas a romper com a comissão e regressar novamente à Espanha.
Para defender os índios no Novo Mundo, Las Casas viajou várias vezes a Espanha, apelando em favor dos índios aos oficiais do governo e a todos que quisessem ouvir. Ele tinha o evangelismo como prioridade e com este propósito viajou pela América Central fazendo um trabalho pioneiro.
Las Casas foi enviado pelas autoridades espanholas a evangelizar em Cumaná, como forma de comprovar se realmente ele era capaz de colocar em prática suas afirmações de que os índios eram de boa índole e que se convertessem ao verdadeiro Deus seriam os povos mais abençoados da terra. Contudo Las Casas fracassou porque os colonizadores fizeram todo o possível para criar obstáculos e todo o tipo de violência. Posteriormente os próprios índios se rebelaram o que obrigou Las Casas a se refugiar entre os dominicanos em Espanhola. Unindo-se à ordem de Santo Domingo, passou vários anos escrevendo obras literárias.
Após doze anos em São Domingos, Las Casas partiu com destino ao Peru, mas em decorrência de mau tempo, desembarcou na Nicarágua. Os colonizadores dessa região reagiram violentamente a suas idéias o que fez com que fugisse para a Guatemala, onde passou a aplicar suas idéias de que o evangelho era para ser pregado pacificamente, contudo os índios que já conheciam o tratamento dos espanhóis não demonstraram interesse de ouvi-lo. Neste ínterim Las Casas escreveu uma obra chamada “O Único Modo de Chamar Todos os Povos a Fé”. Daí partiu para o México onde foi nomeado bispo de Chiapas, onde demonstrou inflexibilidade para com os encomendadores, como fez constar de seu “Confessionário”, realizou trabalho missionário e mais uma vez retornou à Espanha em face das pressões dos colonizadores renunciando à sua diocese.
Na Espanha, Las Casas publicou uma obra chamada “Brevíssimo Relatório da Destruição das Índias”, que causou grande controvérsia em decorrência da polêmica em torno dos números por ele apontados que dava margem à dúvida. Em função deste relatório, Carlos V fez promulgar as Leis Novas, que limitavam os direitos dos espanhóis sobre os índios. Este fato causou muita revolta na América, principalmente no Peru onde chegou a haver uma rebelião armada. Logo, logo, estas Novas Leis caíram rapidamente no esquecimento, prevalecendo o abuso e a exploração.
Em 1547, Las Casas com 73 anos de idade, partiu do Novo Mundo para não mais voltar. Sua luta pelos direitos humanos continuou viva na Espanha até sua morte que se verificou cerca de duas décadas após seu retorno. Na Espanha corrigiu e publicou seus escritos, em que se opunha à política colonial Espanhola.
Em 1566 morreu Las Casas aos 92 anos de idade e até hoje seu nome é lembrado como um dos maiores humanistas e missionários da história do cristianismo. Contudo suas idéias foram contestados tanto no Peru em 1552 quanto na Espanha. Alguns anos mais tarde e no meado do século seguinte a Inquisição proibiu a leitura de suas obras. Os inimigos de Las Casas se alegravam ao verem fracassar os seus métodos pacíficos de tratar com os indígenas, porque dizia que “os habitantes originais das terras eram gente afável e generosa, que facilmente seria ganha mediante um bom exemplo e amor”.

Augusto Bello de Souza Filho
Bacharel em Teologia

BIBLIOGRAFIA
– Gonzalez, Justo L., “Uma História Ilustrada do Cristianismo”, 1ª Edição, 1984, Sociedade Religiosa Edições Nova Vida, São Paulo – SP.
– A. Tucker, Ruth, “…Até aos Confins da Terra”, 1ª Edição, 1986, Sociedade Religiosa Edições Nova Vida, São Paulo – SP.
– Grimberg, Carl, “História Universal – As Descobertas Geográficas”, Edição Especial, 1989, Sociedade Comercial Y Editorial Santiago Ltda, Santiago – Chile.