COMO COMPOR MÚSICAS
Autor: Augusto Bello de Souza Neto “Guto Bello”

1. Embasamento Bíblico
“Esperei com paciência pelo Senhor, e ele se inclinou para mim e ouviu o meu clamor. Também me tirou duma cova de destruição, dum charco de lodo; pôs os meus pés sobre uma rocha, firmou os meus passos. Pôs na minha boca um cântico novo, um hino ao nosso Deus; muitos verão isso e temerão, e confiarão no Senhor.” Sl 40:1-3
Várias vezes podemos ler nos Salmos a expressão “Cantai ao Senhor um cântico novo”. Embora estes textos possam ter outras interpretações, nós exploraremos neste workshop o sentido mais estrito. Cantar um cântico novo é compor novas canções. Nosso Deus é um grande artista. Ele é o Criador de todo o universo. O artista também é um criador. Quando nos envolvemos no processo criativo, imitamos o Criador. Fomos feitos à sua imagem e semelhança (Gn 1:26). Então, se o nosso Deus é extremamente criativo, ele também nos dotou da capacidade de criar.
2. Motivação
“Davi dirigiu ao Senhor as palavras deste cântico, no dia em que o Senhor o livrou das mãos de todos os seus inimigos e das mãos de Saul, dizendo: O Senhor é o meu rochedo, a minha fortaleza e o meu libertador…” II Sm 22:1-2
As nossas composição devem ser feitas para louvar o Senhor. Em nenhuma hipótese devemos cantar o que desagrada a Deus. Esta deve ser a nossa motivação: louvar o Senhor. Não devemos compor para vender CDs ou para aparecer diante das pessoas. Mesmo que a sua canção nunca seja ouvida por ninguém, se Deus tiver recebido o seu trabalho como uma genuína expressão de louvor, então ela alcançou o seu principal objetivo. Entretanto, no Sl 40:3, o salmista fala que muitos verão o testemunho e o cântico novo, um hino de louvor, e temerão e confiarão no Senhor. Aqui está outro objetivo do cântico novo: o testemunho da ação de Deus em nossas vidas, o que é um serviço ao próximo.
“Mestre, qual é o grande mandamento na lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” Mt 22:36-39
As nossas composições devem ser, em primeiro lugar, frutos do amor ao Senhor e em segundo, “semelhantemente a isto”, frutos do amor ao próximo.
3. Experiências
A experiência do salmista relatada no Sl 40 foi a inspiração para a composição de seu novo cântico. A principal inspiração para a composição são as nossas experiências com Deus. São a principal, não as únicas. A natureza é um exemplo de inspiração para compor, pois manifesta a glória de Deus (Sl 19:1).
4. Deus compõe músicas?
Temos ouvido muito as pessoas dizerem: “ah, Deus me deu esta canção…”. O que será que as pessoas querem dizer com expressões deste tipo? Será que Deus realmente dá as canções, através de sonhos etc? Ou será que isso é uma forma de dizer: “olha, todo o meu talento veio de Deus, fiz esta canção porque ele me deu condições”?
No Sl 40, o salmista diz que Deus colocou nos seus lábios uma nova canção. A Bíblia tem pelo menos um relato de que Deus pode entregar canções prontas, o que pode ser visto no texto seguinte:
“Agora, pois, escrevei para vós este cântico, e ensinai-o aos filhos de Israel; ponde-o na sua boca, para que este cântico me sirva por testemunha contra o povo de Israel.” Dt 31:19
Há relatos de pessoas que sonharam com músicas que depois se tornariam conhecidas em nosso meio. Como “Ao único que é digno de receber…”, fruto de um sonho do Pr. Bené Gomes, do Koinonia. Certa vez vi um profeta cantar um lindíssima canção que só poderia estar sendo entoada por Deus. Nunca mais ouvi aquilo, não me lembro como era, só sei que era divino.
Há músicas que fluem rapidamente no processo de criação, de modo que não daria pra dizer terem sido diretamente entregues por Deus, mas a inspiração é tão forte que tais composições como que brotam dos lábios dos seus compositores. Elas surgem no carro, no banheiro ou até no trabalho.
À luz da Bíblia, é possível que Deus entregue canções prontas para que o seu povo cante. Isto é possível, mas não é uma regra. A grande maioria das músicas são frutos de estudo, experiências e trabalho e inspiração.
Certa vez alguém, se referindo a um compositor conhecido, me perguntou: “Será que Deus entrega as músicas com arranjo?” Em outra ocasião, vi uma capa de CD que não tinha os nomes dos autores das músicas porque eles alegavam terem sido dadas por Deus, o que, se for verdade, é uma maravilha.
Num sentido amplo, tudo vem de Deus, como podemos ver no texto seguinte:
“Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” Tg 1:17
Neste sentido, é correto dizer que Deus dá canções.
O problema é que tem sido criado um misticismo em torno deste tema. Isto é muito perigoso.
Só devemos dizer que uma música foi dada por Deus se, estritamente, for fruto de uma experiência sobrenatural. Nenhum canção que compus foi dada diretamente por Deus. No entanto, a minha oração é: “Senhor, estou à disposição se quiseres entregar ao teu povo alguma canção através de mim.” Se um dia isso acontecer, não colocarei meu nome na composição e todos livremente poderão gravá-la.
5. Música congregacional
Falaremos principalmente sobre o estilo congregacional, que deve ter as seguintes características:
1 – fácil de ser cantada;
2 – estilo que agrade à maioria dos congregados;
3 – letra que expresse o sentimento coletivo;
6. Definições básicas
Harmonia – seqüência de acordes, ou numa linguagem bem mais simples, é o acompanhamento;
Melodia – seqüência de notas, a parte cantada de uma canção;
Ritmo – disposição da música no tempo. A bateria tem como seu principal elemento musical o ritmo, mas tanto a harmonia como a melodia têm seu ritmo próprio.
7. Compondo
Colocarei abaixo algumas formas utilizadas no processo de criação:
1) compõe-se a letra e depois a melodia;
2) compõe-se a melodia e depois a letra;
3) a partir de uma seqüência harmônica, a melodia e/ou a letra são criadas;
4) a partir de uma levada c/ ou sem seqüência harmônica;
Com o tempo, o compositor vai variando as formas de compor, ou se especializando naquele tipo que lhe dá melhores resultados.
Para compor uma melodia não é necessário o conhecimento de teoria musical, da mesma forma que para criar uma poesia não é necessário ter profundos conhecimentos de gramática. Você também não precisa tocar um instrumento para compor músicas. No entanto, um conhecimento, básico que seja, da técnica de um instrumento, como o violão ou teclado, em muito pode ajudar no processo criativo. Da mesma forma, também não é necessário ser um excelente cantor para compor, no entanto uma afinação básica é necessária.
8. Forma
Forma de uma composição é a maneira como as partes são dispostas.
Estrofe (E) – é geralmente a parte que começa a canção, tem tessitura mais grave que a do refrão e pode ser repetida, com ou sem letra diferente;
Refrão (R) – é a parte que mais se repete, o ponto alto da música, o que fica mais gravado na nossa cabeça;
Ponte (P) – é uma outra parte da canção, um pouco mais forte que a estrofe e que geralmente conduz ao refrão, ou à estrofe novamente;
Introdução (I)– é parte do arranjo, porém algumas introduções, por serem tão marcantes, são incorporados à composição, de modo que, mesmo em regravações, são mantidas.
Interlúdios (I) – são partes que servem de ligação entre outras, às vezes são meros arranjos instrumentais, às vezes têm letra.
Final (F)– é o trecho repetido no final da música.
Um exemplo de forma muito comum é o seguinte: I E R I E R P R F
9. Construção melódica
Tonalidade – a tonalidade deve ser confortável para os músicos e coerentes com a letra. Por exemplo, tonalidades maiores combinam mais com temas alegres e tonalidades menores, com temas tristes ou introspectivos.
Extensão – para o estilo congregacional, a extensão, em outras palavras, os limites de notas graves e agudas da composição, deve ser comum aos vários tipos de vozes. Uma melodia que se desenvolva em 1 oitava e meia é muito difícil de ser cantada por uma congregação. Uma intervalo de 10ª (décima) seria um limite máximo.
Motivo – é uma curta idéia melódica que se repete com variações. Uma mesma música pode ter várias motivos diferentes. São exemplos de variações melódicas:
– variações rítmicas: mantém-se as notas, muda-se o ritmo, deslocando a posição das notas (deslocamento), diminuindo (tensionamento) ou aumentando (relaxamento) a duração das notas;
– variações melódicas: transposição de graus, em outras palavras, o mesmo desenho melódico é feito numa altura diferente. Inversão, ou seja, o motivo de trás pra frente. Na Ampliação aumentamos a relação intervalar e na diminuição, diminuímos. Podemos também fazer adição de notas ao motivo ou supressão.
Notas de acorde – São notas da melodia que fazem parte do acorde usado na harmonia. Geralmente são notas de repouso.
Notas de passagem – São notas da melodia que não fazem parte do acorde, mas são usadas para ligar duas notas do acorde.
Modulação – ocorre quando há mudança de tonalidade no decorrer da composição.
Bibliografia
Composição, uma discussão sobre o processo criativo brasileiro, de Antônio Adolfo. Editora Lumiar.