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Como se comporta a sociedade e o crente pós-moderno

Como se comporta a sociedade e o crente pós-moderno

Igreja Evangélica sofre com o impacto do pós-modernismo que ressalta o individualismo e afasta o homem das preocupações sociais
Isaltino Gomes Coelho Filho*
A pós-modernidade é uma atitude intelectual contemporânea que se expressa numa série de manifestações culturais que negam os ideais, princípios e valores que constituem o suporte da cultura ocidental moderna. Ela se choca com tudo aquilo que tem sido o sustentáculo da civilização ocidental. É um existencialismo mais agudo, mais cínico, mais cruel. Mais ou menos assim: “primeiro eu, e que se dane o mundo”. Ela é uma revolução cultural. Apesar do alarido que a mídia faz das formas culturais que expressam a pós-modernidade, ela é silenciosa. Sucede em nível de conceitos. Valores educacionais, sociais, políticos, morais e religiosos estão sendo contestados e não estão sendo propostos outros para seu lugar. Fica um vazio. É um desinteresse pela vida social, pelo mundo, e uma preocupação com o agora.
Alguém mostrou a relação entre o existencialista e o pós-modernista na seguinte figura: um existencialista pichou uma igreja com a inscrição “Deus morreu”. O pós-modernista pichou abaixo: “E eu estou gravemente doente”. É a morte do homem. É uma descrença, um abandono de ideais, uma alienação, um retirar-se do mundo. Anteriormente, a mecanização do mundo e a desvalorização do homem, que veio como conseqüência, produziram reações, como o existencialismo. Agora, surge a pós-modernidade, um existencialismo mais cínico. Neste sentido, ela afeta a Igreja por propor rejeitar tudo que seja fora da pessoa, pela negação de valores objetivos e pela supervalorização do eu/agora. Mas ainda é uma atitude. Não se mostrou consistente nem coerente na sua forma de se expressar para ser vista como uma corrente filosófica ou cultural.
A rigor, a pós-modernidade é uma reação à modernidade. O milênio que esta anunciou não chegou. O crescimento econômico trouxe uma profunda crise existencial, por incrível que pareça. Mas é bíblico. “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e próspera ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado” (Ez 16.49). A riqueza sem o lastro cristão traz a ganância, e o viver em função de bens traz a indiferença para com os necessitados. Surge a ociosidade, mãe de todos os vícios e irmã de muitas frustrações.
Conseqüências
Uma das conseqüências da modernidade foi a secularização. A modernidade colocou a técnica no lugar de Deus. Colocou suas esperanças na educação do ser humano. Chegou a confundir, muitas vezes, capacitação técnica com educação. O regime militar brasileiro, por exemplo, acabou com o curso Clássico e com o ensino de Filosofia e Ciências Sociais e nos deu os cursos profissionalizantes. O Brasil necessitava de tecnologia para entrar numa fase de desenvolvimento. Afinal, a utopia humana viria pela Ciência e pela técnica. Educar era capacitar tecnologicamente. A pós-modernidade modificou, mais uma vez, o cenário. Perdeu a utopia. Perdeu os ideais. Sacralizou o fático (de fato) e renunciou a combater ou mudar as injustiças sociais.
Basta analisar algumas das características mais fortes da pós-modernidade: o colapso das crenças, a busca do exótico, a descrença das instituições (as igrejas e denominações mais institucionalizadas são mais afetadas), a necessidade de escandalizar, um estilo de vida hedonista, individualista e narcisista, a perda do sentido de história (as pessoas vivem em função de eventos e não de um projeto de vida), a substituição da ética pela estética (o certo é aquilo de que eu gosto e aquilo de que eu não gosto está errado), a necessidade de pertença (por isso a formação de “bandos” e “tribos” os mais diversos em nossa cultura), e outros mais. Isto afeta o comportamento humano. Surgem os relacionamentos “lights”, imediatistas, sem ligações profundas, manifestadas no sexo efêmero e casual. As pessoas se conhecem e vão para a cama, até mesmo sem saber o nome da outra. Pertence-se a uma “tribo”, mas se refugia no anonimato de relações via Internet. As pessoas são contraditórias. Deliberadamente. Não há sentido na vida. Cada um faz o seu.
Do ponto de vista religioso, influenciadas por esta forte subjetividade, as pessoas nutrem uma crença tipo picadinho. O sujeito é católico mas rejeita a orientação da Igreja sobre contracepção. É evangélico, mas lê horóscopo, pula de doutrina em doutrina, não em busca da verdade, mas do que lhe satisfaz, do que lhe faz bem. Ele é seu próprio referencial. O padrão é ele próprio. A pós-modernidade não aceita valores objetivos. Cada um faz seu caminho. Vemos isso na postura de muita gente na igreja evangélica. Que saca da Bíblia o que lhe interessa, mas que rejeita ou passa por cima do que vem contra ela. A Bíblia deixou de ser autoridade para muita gente. Ela é a verdade, mas a “verdadeira verdade” é o que a pessoa sente. Esta subjetividade se vê em ensinos e doutrinas. Não é o que a Bíblia diz, mas o que a pessoa sente no coração. E o Espírito Santo leva a culpa desta subjetividade: “O Espírito me revelou” ou “Deus me falou”. Algumas igrejas, mesmo sem querer e talvez sem o saber, estão se cevando na pós-modernidade. Procuram ser agradáveis às pessoas, mais do que leais à Palavra e a Deus. O que importa é que as pessoas se sintam bem, que se realizem.
A descrença nas instituições é outro problema sério para a Igreja porque ela é uma instituição. As instituições, como os governos, a família e a escola falharam em prover um mundo melhor. O pós-modernista não crê na declaração romântica do professor de que está formando mentes e educando para o futuro. Não vê o médico encarar a profissão como um sacerdócio, mas como uma forma de ganhar muito dinheiro. Não vê a escola como um lugar agradável nem crê no seu discurso. Não crê nas igrejas porque os escândalos são muitos. Os políticos são corruptos. Até no lazer aparecem os euricos mirandas. A Igreja dos anos noventas não produziu homens e mulheres santos, de respeitabilidade reconhecida pelo mundo (e não propagandeada pela Igreja), mas sim pessoas preocupadas com dinheiro. O vulto mais importante que a igreja evangélica dos anos sessentas legou à humanidade foi o pastor batista Martin Luther King Jr, Prêmio Nobel da Paz. A igreja evangélica dos anos oitentas apresentou ao mundo o bispo anglicano Desmond Tutu, também Prêmio Nobel da Paz. Mas na mente dessas pessoas, a Igreja evangélica dos anos noventas é mais conhecida pelos escândalos, pela voracidade por dinheiro e pelo triunfalismo, do que por homens que marcaram a sociedade secular. Infelizmente, para quem pensa, a Igreja evangélica é corrupta. Num artigo em que criticou o catolicismo, Roberto Campos disse que a “praga da Igreja evangélica é seu mercantilismo”. O dinheiro é o deus de muitas igrejas e de muitos cristãos. O pós-modernista vê isso.
Do ponto de vista de conteúdo da Igreja, vê-se a influência da pós-modernidade no individualismo que tomou corpo e afastou as pessoas das preocupações sociais. Os anos sessentas foram anos de discussões sobre a ação social das igrejas. Havia uma preocupação enorme com a pobreza e com a política. A ênfase dominante hoje é dada pela teologia da prosperidade. As pessoas estão preocupadas com cura, saúde, riqueza, resolução dos seus problemas e pouco com a transformação do mundo. As pessoas irão a uma corrente de sete dias de culto e a uma vigília para melhorarem suas finanças, mas não irão para orar pela conversão de pecadores. A geração de hoje é sem ideais, a que sociólogos chamam de geração shopping, cuja preocupação é o consumo, o tênis da moda, a camisa da grife badalada e a freqüência às lanchonetes de nomes americanos para a famosa sucata alimentar: sanduíche e refrigerante. Uma geração economicamente rica, mas de conteúdo muito pobre. Fútil mesmo. Quando se perdem os ideais, a vida se empobrece. E isto se reflete na Igreja. Quando uma igreja diz que Deus não lhe deu a missão de evangelizar, mas de capacitar os crentes de uma determinada camada social e avança nas pessoas bem aquinhoadas de outras igrejas, pescando em aquário, o que é isto, senão uma pós-modernidade espiritual?
Não necessariamente, o novo milênio pode ser identificado pela ênfase na pós-modernidade. O pensamento humano é como um pêndulo. Oscila de uma extremidade a outra. Por vezes, mais rápido ou mais lento, sem regularidade. Numa sociedade de mudanças tecnológicas e sociais como a nossa, os conceitos mudam com rapidez. Mas a pós-modernidade vai deixar marcas na cultura, através de peças de teatro, filmes, músicas, como o existencialismo deixou. Marcará a cultura por um bom tempo, ainda.
Proveito ou não para a igreja
Geralmente as igrejas vêm a reboque das mudanças sociais e culturais. São reativas e custam muito a mudar. O universo religioso é fixista, fechado ao diálogo, e vê as mudanças sempre com reservas. Nos momentos de dificuldade, algumas comunidades cristãs se refugiam no passado. A síndroma do retorno à Igreja primitiva e ao cristianismo primitivo é um exemplo disto. Quando as coisas não vão bem, a insegurança nos remete ao passado, que é conhecido e não é ameaçador. O refugiar-se no passado é uma patologia. Mas a Igreja pode mostrar que a necessidade de pertença, de estar inserido em uma comunidade, faz parte do seu ideário. A fé cristã nos insere numa família (“eis aí tua mãe… eis aí teu filho…”). Mas muitas igrejas estão sendo afetadas pela cultura pós-modernista. Há igrejas isoladas, apaixonadas por si, por sua eclesiologia, seu estilo litúrgico, não vendo o todo, mas apenas seu jardim. São guetos. E o que é pior: orgulhosas do seu espírito de gueto.
A Igreja deve lembrar que temos valores eternos, como cristãos que somos. Há valores temporários, locais e mutáveis. Há valores inegociáveis. É preciso saber o que é cultural e o que é teológico, o que é momentâneo, restrito a uma época, e o que é eterno. Um cristão necessita ter uma cosmovisão cristã completa, saber de sua fé e de seus valores e vivê-los. Muitos não têm uma visão global do mundo, e, o que é pior, até mesmo muitos líderes cristãos não têm uma visão global de sua fé, sabendo encaixar o mundo nela, e analisando o mundo por ela. Sua fé é atomizada, de pequenos credos, sem uma visão holística do evangelho. Superdimensionam um aspecto, uma parte, subordinando o todo a ela. Sem ver o evangelho como uma cosmovisão, uma explicação global do mundo. Isto é trágico para quem queira enfrentar uma comunidade que pense, que queira dar respostas significativas e válidas ao mundo.
Mas é um desafio. O fascinante no evangelho é que ele rompe o casulo em que as comunidades cristãs o aprisionam. Não diria que ele é camaleônico, pois ele não varia sua forma, mas ele se adapta a tempos e a culturas. Na realidade, ele os transcende. Deus não permite que seu povo enquadre e subjugue sua mensagem. Mas a Igreja precisa estar alerta para saber responder ao mundo contemporâneo. Por exemplo, não digo que o pecado deixou de existir nem que a condenação eterna foi cancelada por Deus. Mas isso, que impressionava as mentes nos anos sessentas, hoje é pouco relevante nas camadas mais pensantes. Tais pessoas estão buscando o sentido da vida, querendo respostas existenciais. Seus olhos estão mais aqui do que no além. A Igreja é a única que pode responder como viver bem aqui. Paulo não pregou em Atenas o que pregava nas sinagogas. Usou um gancho diferente, como se diz em Comunicação, para atrair seus ouvintes. A Igreja precisa estudar a Bíblia e estudar sua cultura, seu mundo, também. A Bíblia é fascinante e tem respostas para o homem moderno. Mas precisamos responder o que ele pergunta.
Como se comporta o cristão pós-moderno
Pessoalmente, não gosto de adjetivar cristão. Cristão é cristão. Ou se é cristão ou não se é. Isso de cristão renovado ou envelhecido, reformado ou estragado, embora tenha sentido, mesmo que narcísico, para as pessoas que assim se intitulam, pode trazer um problema. O valor supremo do cristão não é sua forma de ver doutrinas. É Jesus Cristo. Ele é a chave para entender o mundo. A fé cristã é a única explicação viável para o mundo e para a história. O cristão de hoje precisa ter o centro da sua fé na pessoa de Jesus, não em modismos, não em grifes doutrinárias ou eclesiológicas, mas Nele. A Igreja nasceu de duas perguntas: “Quem dizem os homens que eu sou?” e “Vós, quem dizeis que eu sou?”. O cristianismo é uma pessoa, Jesus Cristo. Conhecê-lo, aprofundar-se nele, nos seus ensinos, isso capacitará o cristão para entender o mundo. Paiva Neto, da LBV, disse que Jesus foi sectarizado. Precisamos de humildade, porque aqui ele tem razão. Jesus foi denominacionalizado, foi eclesiologizado, amoldado à visão de muita gente. Há denominações e igrejas que pensam que têm o copyright de Jesus. Acham que são donas de Jesus e que todos, fora delas, estão errados. Mas a maneira do Mestre de tratar as pessoas, de apresentar-lhes o reino, de mostrar-lhes o sentido da vida, são um desafio para nós. O cristão do tempo pós-moderno precisa aprofundar-se no conhecimento de seu Mestre e vivenciar seu estilo de vida na nossa cultura. Cristo é a maior necessidade do cristão do tempo pós-moderno como foi a maior necessidade de qualquer cristão no passado, como será a maior necessidade de qualquer cristão em qualquer era. Jesus Cristo, antes de tudo e acima de tudo.

* O autor é pastor da Igreja Batista do Cambuí. Bacharel em Teologia, Filosofia e Psicologia Mestre em Educação e em Teologia.

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  1. Maria Luisa S. S. Melo

    Gostei muito e gostaria de receber mais materiais a respeito do pós modernidade.
    Me formei recentemente em psicologia, e sem ferir a ética profissional, gostaria de conciliá la com o pastorado que exerço, afinal entender a forma mais próxima do correto possível é o meu ideal.
    Agradeço sua mensagem e aguardo sua ajuda como um companheiro nesta dificuldade que me encontro.

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