Construtores anônimos da história

“Devido à visão de mundo secularizada de nossos dias, há uma tendência generalizada de querer transformar os pastores em heróis. Criam-se celebridades, festejam-se os talentos e endeusam-se as pessoas. Os mitos passam a ser definidos por superlativos. Passam a enxergar potenciais divinos em pessoas frágeis. Cremos na infalibilidade de nossos semi-deuses. Não admitimos sequer a remota possibilidade de que todos são mortais e participantes da natureza caída de Adão. Quando alguns deles nos desaponta, nossa fé sofre duros abalos.
Esquecemos que não há quem possa se gloriar pelo seu desempenho diante de Deus. Esquecemos que o cristianismo não valoriza o poder, mas o serviço, não busca glória, mas discrição. Os ídolos que andam e falam podem ser mais perigosos que os ídolos de pedra ou madeira. Estou convencido de que, quando todos comparecermos diante do tribunal de Cristo, os grandes heróis da fé serão homens e mulheres cujos nomes nunca ouvimos falar. Gente sem sobrenome famoso. Anônimos, mas fiéis.
A cláusula final da oração do Pai Nosso – Pois teu é o reino, o poder, e a glória para sempre – vem entre colchetes na Bíblia editadas pelos protestantes e é excluída nas traduções católicas. Acredita-se que seja um acréscimo tardio da igreja primitiva (os melhores textos não a incluem como parte da oração original de Cristo), porque algum pai da igreja buscou interpretar a sentença anterior a ela : “Não nos deixe cair em tentação mas livra-nos do mal.” Por isso, acrescentou : Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém. “Sua leitura corretíssima, foi de que o mal a que Jesus se referia era a tentação de roubar de Deus o seu reino, sua glória e seu poder. Uma lição que deveria ser aprendida por todos os cristãos, principalmente os líderes. O culto à personalidade sutilmente fomentado no cristianismo ocidental esquece que o pecado original, na tentação de Lúcifer, era a cobiça do reino, poder e glória, que só pertencem a Deus”.
A igreja do Ocidente precisa valorizar mais os seus anônimos heróis e diminuir a expectativa nos seus líderes mais visíveis. O excesso de aplauso e deslumbramento com a verve carismática de alguns os expõem a tentação de se acharem imprescindíveis. Tentação que conduz à soberba, e esta que precede a queda. Diz-se também que o cemitério está cheio de pessoas imprescindíveis.”

ULTIMATO – MAIO/JUNHO 1999, pag. 46/47

Ricardo Gordim, é pastor da Assembléia de Deus Betesda, em S. Paulo – SP.