CUIDADO COM OS ATALHOS!

Tenho recebido, com certa freqüência, propostas tentadoras para ganhar muito dinheiro sem trabalho e sem sair de casa. Algumas vêm pelo correio, outras pela internet. A última que recebi dizia que o bilionário Bill Gates estaria pagando algo em torno de US$ 250,00 para cada pessoa que enviasse uma determinada página para um amigo. Numa operação simples, alguns cliques e, pronto, teria alguns dólares na conta. Alguns destes e-mails chegaram assinados por pastores e missionários que diziam que algum amigo havia ganho muito dinheiro e que, por via das dúvidas, não custava nada tentar.
Outros já receberam por correio as famosas pirâmides, nas quais, através de uma matemática duvidosa, vocês envia R$ 2,00, reproduz algumas cartas e pode ganhar até R$ 300 mil ou mais. Tudo isso sempre acompanhado de testemunhos de pessoas que tiveram seus problemas financeiros resolvidos, compraram carros novos e casas de veraneio. Muitos ingênuos entram e alguns pouquíssimos espertos sempre ganham – dos ingênuos, é claro.
Tenho recebido também, com mais freqüência do que as pirâmides e promessas de Bill Gates, propostas tentadoras para solucionar problemas espirituais, eclesiásticos, pastorais e relacionais. São folhetos convidando para encontros, congressos, cursos e retiros que prometem a solução de seus problemas relacionais, que a liderança de sua igreja será mais dinâmica, que sua vida de oração será mais poderosa, que será batizado com o Espírito Santo e receberá os dons que farão de você aquilo que sempre sonhou. Tudo será resolvido num retiro de fim de semana, numa palestra, num congresso, numa oração.
Somos fascinados pelos caminhos mais curtos, seja para a solução de um problema econômico ou de um conflito relacional. Trilhar o longo caminho da obediência, da dignidade, do trabalho, da honra, do respeito, da formação do caráter, acaba, em um outro momento, esbarrando na pressa e na sedução dos atalhos.
Na busca frenética pelos atalhos encontramos os especialistas, aqueles que farão seu caminho mais curto. Eles não perdem tempo com os detalhes da complexidade da vida, vão direto ao ponto. Uns são especializados na arte da guerra espiritual, outros na formação de líderes, tem aqueles que ministram o batismo com o Espírito Santo, e outros, numa subdivisão destes últimos, especializaram-se na ministração dos dons. Você resolve seu problema de preguiça, cansaço ou falta de atenção participando de algum encontro onde um especialista irá identificar o demônio correspondente e, com uma oração especial, você voltará para casa atento e disposto como nunca.
Se seu problema for frigidez espiritual, é melhor participar de um retiro de onde, seguramente, sairá batizado com o Espírito Santo, cheio de poder e pronto para liderar uma igreja ou grupo de discipulado. Se a crise for conjugal, não faltará convites para os “dez passos para um casamento feliz” ou os imperdíveis encontros de casais, de onde seu marido sairá maravilhosamente irreconhecível. E você perguntará: por que não me falaram desta bênção antes?
A falta de tempo, aliada à cultura da rapidez e da agilidade, tem criado um novo tipo de consumidor, impaciente e narcisista. Não sabe esperar, prefere os atalhos aos caminhos longos, a satisfação imediata ao crescimento maduro, as relações superficiais às amizades verdadeiras (que se conquistam e constroem com o tempo*).
Não quero que pensem que não creio no poder de Deus ou na importância dos encontros e retiros e nas experiências vividas neles. Creio em tudo isso e os uso com freqüência no meu ministério. Creio nos milagres e na intervenção divina que sobrenaturalmente transforma, liberta, cura e salva. Minha preocupação é com os atalhos que temos criado para a vida e a fé. A complexidade da vida e da experiência espiritual não pode ser simplificada e tratada com recursos técnicos. O processo de crescimento sempre passa por períodos longos de desertos e vales áridos. A recomendação sábia e orientada pelo Espírito Santo nas Escrituras é para ter paciência nas tribulações e suportar a dor e o sofrimento. No caminho longo da maturidade não há atalhos.
Mas todas as vezes que temos que enfrentar as lutas e complexidades da vida, tornamo-nos vulneráveis aos atalhos. Ao invés de percorrer o caminho longo e paciente do tratamento de uma enfermidade dolorosa, preferimos a oferta de algum charlatão com a promessa de um resultado rápido e indolor. Ao invés de percorrer o caminho longo do discipulado com Cristo, discernindo sua vontade através do estudo diligente e cuidadoso das Escrituras, respondendo com obediência e submissão, buscando o poder do Espírito Santo para viver a vida da fé, preferimos o atalho de um fim de semana em que algum religioso especializado irá libertá-lo do caminho do discipulado e promovê-lo rapidamente a mestre e discipulador de outros. Ao invés de percorrer o longo caminho de construção de uma amizade sadia, humana e pessoal, seja no casamento ou nos relacionamentos inter-pessoais, preferimos os atalhos das relações superficiais, criadas por programas artificiais nos dando a falsa sensação de intimidade.
Tome cuidado com os simplificadores da vida, com os atalhos da fé. Jesus nos alerta para o “caminho largo”, fácil, convidativo e espaçoso. Ele diz que a vida tem que passar pelo “caminho estreito”, apertado, difícil e árduo. Conheço muitos irmãos e irmãs que, encantados com as experiências maravilhosas vividas nestes encontros, testemunhando que foram libertos de maldições, que tiveram seus casamentos recuperados e promoveram uma renovação espiritual como nunca haviam provado antes, acabam tendo que encarar, cedo ou tarde, a dura realidade de que não existem atalhos para o amadurecimento.

Sempre que ouço esses testemunhos, respondo com “aleluia, glória a Deus!” Creio que Deus faz coisas inimagináveis, reconheço a necessidade de momentos assim, marcantes, provocadores, catárticos. No entanto, se não permanecermos no caminho do discipulado com Cristo, da leitura diligente e obediente das Escrituras, da prática constante e íntima da oração, do convívio amoroso e verdadeiro com irmãos e irmãs na fé, da relação pastoral madura e confiável, é bem provável que, depois de semanas, meses ou anos, estaremos nos debatendo com os mesmos conflitos, com as mesmas maldições e os mesmos dramas.
Jesus nunca propôs nenhum atalho, nunca simplificou a vida, jamais apresentou qualquer substituto para a cruz que temos que carregar. A vida continua tal como era nos tempos de nosso Senhor. A metáfora usada por Jesus e pelos apóstolos para entender a dinâmica da vida é a da semeadura e colheita. Plantamos e colhemos. Se aquilo que plantamos é uma boa semente, foi colocada num bom solo, regada e cuidada com o carinho e a paciência de um bom jardineiro, ela florescerá e dará frutos. Mas, se o que plantamos é a semente da pressa, colocada na superfície do solo, regada com a impaciência de um jardineiro imaturo e ambicioso, ela morrerá antes mesmo de nascer. Cuidado, meus irmãos, cuidado com os atalhos simplificadores da vida e da fé!
Pr. Ricardo Barbosa de Souza
(in Eclésia, abr/2000)

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